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IS: imposto do pecado e da desconfiança


Criado pela reforma tributária para desencorajar o consumo de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, o Imposto Seletivo (IS), chamado de imposto do pecado, em tese, tem caráter extrafiscal, ou seja, não tem o objetivo de aumentar a arrecadação do governo.

No entanto, existe o receio de que o tributo, do mesmo gênero do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), venha a ser usado com essa finalidade, na avaliação de advogados tributaristas.

Pela Lei Complementar 214/25, que regulamenta a reformulação dos impostos sobre o consumo, o novo imposto vai incidir sobre a produção, extração, comercialização ou importação de veículos, embarcações e aeronaves, carvão mineral, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas (como refrigerantes), minério de ferro, gás natural e petróleo.

A lista de produtos no radar do IS é extensa. Sendo assim, a calibragem das alíquotas é considerada fundamental para que o objetivo de desestimular o consumo de bens prejudiciais seja atingido.

Além da dosagem correta da alíquota, as suas modalidades também são pontos de atenção. A reforma tributária prevê duas possibilidades: alíquotas específicas (ad rem), relacionadas à quantidade ou ao volume do produto, e a ad valorem, relacionada ao valor do bem.

Pelo texto da LC 214, as duas modalidades podem ser adotadas em um mesmo produto, como no caso de cigarros e bebidas alcoólicas. A cobrança do novo imposto está prevista para começar em 2027 e os valores das alíquotas são definidos em leis ordinárias.   

 

Ambiguidade e desvio de finalidade

Júlio Cesar Soares, especialista em Direito Tributário pelo IBET, sócio da Advocacia Dias de Souza, afirma que a criação do imposto desperta dúvidas estruturais, tanto no plano técnico quanto político.

Ele diz que, tecnicamente, o IS nasce com a pretensão de ser um imposto extrafiscal, ou seja, orientado à indução de comportamentos, como desincentivar o tabagismo, o consumo excessivo de álcool ou a poluição ambiental.

No entanto, ele afirma que é preciso cautela com o que se convencionou chamar de “extrafiscalidade de fachada”. “O histórico brasileiro com tributos seletivos, como IPI, IOF e CIDE, mostra que o discurso da regulação muitas vezes serve de verniz legitimador para fins puramente arrecadatórios”, alerta.

Na avaliação do tributarista, há um risco concreto de que o tributo seja instrumentalizado para recompor receitas da União, principalmente após a extinção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).  

“O risco maior não está em sua criação, mas em sua banalização e de que seja transformado em mais uma engrenagem da máquina arrecadatória, travestida de moralidade fiscal. Para que cumpra seu papel constitucional, é preciso que ele seja circunscrito, justificado e monitorado, sob pena de se converter em instrumento de injustiça tributária”, afirma.

Marcos Maia, sócio do escritório Maneira Advogados, tem a mesma opinião. Na sua visão, embora revestido de um discurso voltado à proteção da saúde e do meio ambiente, o Imposto Seletivo foi concebido, e está sendo estruturado, como um instrumento arrecadatório, com impacto direto sobre setores estratégicos da economia e em dissonância com os princípios orientadores da reforma tributária.

Para o tributarista, a escolha da base de incidência, em determinados casos, comprova o desvio de finalidade. O imposto incidirá, por exemplo, sobre a extração de bens minerais, mesmo quando for destinada à exportação, o que contraria um dos pilares centrais da reforma tributária, que é a desoneração das exportações para garantir a competitividade dos produtos nacionais no mercado internacional.

“A incidência do tributo sobre o insumo, e não sobre o produto final consumido, destoa da lógica que fundamenta os tributos extrafiscais. Se a intenção fosse desincentivar práticas prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, a tributação deveria ocorrer na etapa final da cadeia e não na fase inicial da produção”, afirma.

Maia explica que um dos segmentos mais impactados pela incidência do IS é o da extração de bens minerais. É o caso da indústria de petróleo e gás natural (O&G), que responde por uma parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

“A tributação dessa etapa da cadeia produtiva prejudica a atratividade fiscal do Brasil em um ambiente global altamente competitivo, no qual países como Estados Unidos, México, Guiana e Noruega disputam investimentos com base não apenas em critérios geológicos, mas, sobretudo, em condições tributárias mais favoráveis”, diz.

A medida, ressalta, também afeta os estados produtores, como o Rio de Janeiro e o Espírito Santo, cuja arrecadação depende, em grande medida, dos royalties e das participações especiais vinculadas à exploração de petróleo.

O tributarista também chama a atenção para a ausência de mecanismos para medir a eficácia regulatória do tributo. De acordo com ele, não há até o momento instrumentos ou critérios objetivos que permitam avaliar se o imposto seletivo está cumprindo seu suposto papel de indução de comportamentos mais sustentáveis.

 

Simplificação?

Salwa Nessrallah, advogada da Evoinc, diz que a criação do imposto seletivo vai na contramão da promessa de simplificação feita pelo governo com a reforma tributária.

“Se a intenção declarada da reforma é reduzir a complexidade do sistema tributário, criar um imposto vai justamente na direção oposta”, afirma. Ela também acredita que o novo tributo, de maneira geral, não deve ser utilizado como ferramenta de indução de comportamento de consumo.

Na sua avaliação, se o objetivo é alterar padrões de consumo, o governo precisa investir em instrumentos mais eficazes para promover essa mudança, e o aumento da carga tributária não é um deles.

A tributarista explica que, no ordenamento jurídico, há tributos com destinação específica — como a Cofins, que será incorporada à CBS – e tem como finalidade o custeio da seguridade social.

Já o imposto, por natureza, não possui essa vinculação. “Isso significa que a arrecadação do IS poderá ser direcionada a qualquer finalidade, o que evidencia a inconsistência do argumento de que o tributo servirá para desestimular o consumo de produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”, diz.

Para a advogada, se a preocupação fosse, de fato, com os efeitos do consumo de determinados produtos, o caminho mais coerente seria a criação de uma contribuição vinculada, com receita destinada ao enfrentamento direto dos danos causados por esses itens. 

 

Fonte: Fenacon